RAFAEL
“Já não O escuto.
Quase não sinto mais Tua presença.
Será que Vos esquecestes ou estou a esquecer-me de Ti? Oh! Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis.
Meu Criador.
Subestimei minhas capacidades de mensageiro, guerreiro e protetor.
Acreditei que a inteligência sublime que me destes seria capaz de compreender e cumprir a missão que me confiastes. Eu estava errado. Há algo mais. Há muito mais. Que minha sabedoria e inteligência já não conseguem alcançar.
Longe de meu lugar e longe de Tua presença, esta é a única manei- ra de Vos pedir auxílio. Espero que possas ouvir-me. Sei que sou um simples anjo agora e que preces são Teu canal direto com os humanos, mas, exilado aqui, junto deles, ajudai-me a encontrar um caminho, uma maneira de cumprir minha missão. Anseio voltar a Tua presença. Servir-Te como sempre fiz.
Rogo-Te por um sinal. Enviai-me uma luz.
Imploro que estejais junto a mim... Mesmo que uma última vez.”
PRÓLOGO
Eva
Sinto o balanço do barco. Ele desliza sob a fina película das águas negras do lago. Já era madrugada, a lua... branca, grande e hipnotizante. Nunca a vi assim antes. Apesar de as estrelas estarem escondidas por nuvens carregadas é uma bela noite na fazenda... Uma bela última noite.
O lago parecia, sob a luz do luar, um buraco negro sem fim refletindo perfeitamente a lua.
É difícil enxergar em volta, apenas a lua se revela. As lágrimas não deixam meus olhos em paz e tenho dificuldade ao respirar, meu peito está pesado. É como se algo me sufocasse. Gotas frias de chuva começam a escorrer por meu rosto misturando-se às lágrimas e já não consigo ver quase nada.
No chão do barco uma poça de sangue vai aumentando e juntando-se à água da chuva em volta dos meus pés descalços. Pra quê sapatos? Olho aquilo com indiferença, me feri ao entrar no barco, mas não consigo sentir outra dor que não seja a que tenho no mais profundo do peito agora. Meus movimentos eram automáticos. Minha cabeça é invadida por pensamentos que me atormentam o tempo todo. E o barco balança ainda mais com o vento que chega com a chuva.
Largo os remos inúteis. Não consegui fazer aquilo direito, minhas mãos e meus braços tremiam tanto e aqueles remos infernais não estavam ajudando. Arranco os remos com raiva e os lanço na água gritando como se tudo fosse culpa deles. E, então, uma pressão no peito e uma náusea terrível me fizeram cair de joelhos sob a poça de sangue, que aumentava cada vez mais e sacolejava com o balanço do barco para lá e para cá. Nesse momento botei para fora mais um grito. No entanto, agora era dor. Uma dor que não era física. Ela vinha lá de dentro, do mais profundo do meu ser. Gritei. Urrei até ficar sem voz em meio à tempestade, que parece espelhar exatamente como estou por dentro. Os animais ao longe, nos estábulos, inquietos pelo temporal, seguiram meu grito e me acompanharam com um lamento angustiado pela noite chuvosa. E ajoelhada, como em uma prece derrotada, encharcada pela chuva e pelo sangue, chorei ao som da lamúria dos animais. Com o peito ainda pesado e a sensação de que ele quer explodir, posso ouvir as batidas aceleradas do meu coração.
Olho para minha casa, agora ao longe. O casarão branco. Não vou voltar atrás.
O vento me levou a esmo para longe da margem, para um lugar onde eu sabia ser profundo.
É aqui.
Levanto e algo brilhante chama minha atenção na proa do barco. Uma âncora. Pequena para o porte daquele barco. Arrasto-me até lá. Preciso pegá-la.
O barco balança ainda mais. O vento e a chuva são fortes. Consigo pegar a corrente e puxo rápido, parece pouca coisa pesada, mas devia servir. Tentando me segurar puxo o restante da corrente, que para minha sorte está solta, e passo a ponta solta em volta dos meus dois pés e dou várias voltas até o peso das correntes não me deixarem mais movê-los.
Com as mãos trêmulas pego a âncora.
Meus pensamentos me assombram como fantasmas e já não posso suportar. Então, tudo ao meu redor se cala. Os animais, o vento, as árvores, a água, a chuva. Um vazio enorme como o de minha alma. Jogo a âncora e quando olho além, alguém está de pé sob a água e chama meu nome, mas, não pode me alcançar, eles não deixam. E sinto um puxão me derrubar fazendo o barco virar de uma vez. Com o peso da âncora e das correntes amarradas me levando para o fundo. Literalmente. Levando-me rapidamente para o fim. Levando-me rapidamente para os braços da morte. Mas, não, sem antes, e agora com clareza, vislumbrar momentos da minha vida... Os que me fizeram chegar até aqui.
01
CASTIGO
O sol ainda não nasceu e com a parca luz da luminária rabisco o chão de terra, areia e pedras diante dos degraus da frente da casa. Vai ser um dia quente ao que parece. Minha mão esquerda está ardendo, não literalmente, é que ainda estou com aquela impressão estranha de quando alguém importante toca sua mão e a sensação fica. É como se a mão nunca mais fosse a mesma. Já vi isso antes, no Centro Preparatório, havia uma garota chamada Nina que dizia ter tocado a mão do Governador e que nunca mais a lavaria. Nunca conheci ninguém tão importante assim, mas, me lembro muito bem da última vez que toquei a mão de minha mãe, e de como nossas mãos se separaram lentamente até só sentir a ponta dos dedos dela. Eu nunca vou me esquecer. A sensação seria a mesma quando sua mão é tocada em um sonho? Ele tocou minha mão. Nunca consigo vê-lo claramente, às vezes, apenas aqueles olhos azuis brilhantes, mas sinto. Seu toque foi tão real que a sensação persiste e posso senti-lo ainda. E continuo rabiscando com a outra mão. Não sei bem o que é, mas a imagem não sai da minha cabeça. Um pássaro, uma espada e um cordeiro.
E lá vem ele... O sol. Começando a refletir nas paredes branco-amareladas e desbotadas da casa grande ou casarão, como eu a chamo, da pequena fazenda Rosa Branca, no distrito de Vinum dentro da poderosa Federação da União. Abandono meus rabiscos para contemplar o sol nascer e a noite se dissipar, afinal não é todo dia que se acorda com uma visão dessas; era a alvorada perfeita em tons de azul e laranja. Todavia não era para ver o sol nascer que estou aqui esperando. Mas, sim, porque cometi o pior erro possível para alguém como eu, principalmente vivendo sob a responsabilidade de Lúcio, meu tutor.
Um senhor com chapéu marrom, cabelos lisos amarrados e barba curta — tudo em tons de branco prateado — que, nesse momento, caminha sorridente em minha direção. É estranho vê-lo sorrir, acho que o vi sorrindo apenas uma ou duas vezes antes; nunca está de bom humor. Deve estar se divertindo às minhas custas. Ele não é parente de verdade, mas tem cuidado de mim, de meu irmão e de tudo, desde que meus pais foram embora, quem sabe... sem ele, poderíamos estar largados por aí. Ele é como um padrinho, porque sempre esteve conosco, até mesmo antes de meus pais partirem. A fazenda também é dele.
— Não entendo o que pode ser engraçado — digo voltando a rabiscar o chão. — Estou aqui como você pediu. Cheguei antes do sol. Um bom dia com um pouco de piedade já afrouxaria um pouco os grilhões da escravidão a que me submete senhor carrasco.
— Bom dia garota! — ele diz sentando-se ao meu lado na escada. Suas botas já estão sujas de lama. Que horas ele acordou? Lúcio tira o chapéu e um pensamento me vem. Ele tem cabelos brancos desde que o conheço, quantos anos será que ele tem? Ele nunca diz.
— Todos vocês jovens são tão dramáticos assim ou todo drama do mundo ficou só para a sua pessoa mesmo? Um belo sorriso pela manhã é a melhor maneira de dizer bom dia.
— Isso desde quando?
— Desde sempre — ele responde naturalmente.
— Não sei em que planeta. — ironizo escorando os braços nos degraus atrás de mim.
— Acredito que não nos encontramos pelas manhãs ou estou enganado? Porque a senhorita tem uma certa tendência a dormir demasiadamente.
— Então quer dizer que você é amável pelas manhãs e intratável o resto do dia? — debocho.
— Não tenho motivos para rir à toa.
— Não está rindo à toa agora? Ele me olha sério.
— Não. — diz sorrindo.
Os sorrisos dele são realmente raros e irritantes.
— As minhas custas?!
— Claro!
Bufo e me sento direito novamente.
— Precisava ser tão cedo? Nem a Olga acordou ainda, e olha que ela é a primeira a acordar todos os dias. É ela quem faz o café!
Olga é nossa... Não sei dizer o que ela é, ela cuida do casarão, de mim e do meu irmão Andros. Também é quase da família, desde sempre me lembro de Olga.
— Sinto informá-la. — Lúcio começa — Olga já saiu há algumas horas, porque hoje coordenará todas as mulheres da fazenda no hortário, é dia de colheita. Ficarão o dia todo por lá.
— No que dependesse de mim, eu estaria lá com ela ...Você devia ter me mandado pra lá...
— Ainda bem que não depende. Do contrário garanto que aquelas plantas todas já estariam mortas por falta de irrigação e cuidados. Se a vida de alguém dependesse de você, eu não queria ser esse alguém. Por isso estou sempre de olho.
— Como você é exagerado...
— Sabe qual é a pior parte de te castigar?
— Hum?
— É ter que passar o dia todo aguentando você e a sua imensa falta de humor, resmungando o tempo todo em meus ouvidos — ele está se divertindo com isso. Deito-me nas escadas com as costas das mãos nos olhos.
— Mas não seja por isso, me tire do castigo assim posso aproveitar o recesso, e você não precisa ouvir os meus “r-e-s-m-u-n-g-o-s” todas as manhãs e...
— Espere! — Lúcio diz. — Eu me sento novamente encarando-o; só pode ter percebido que tenho razão. Lúcio pôs o dedo indicador em riste, e fez uma cara como se eu não estivesse lá e procurasse por alguém; pega um papel dobrado do bolso da camisa e começa a ler em voz alta.
— Ah não! Lá vem você de novo.
“Caro Sr. Lúcio Rosa, lastimamos informar que Eva Silva inscrita no RGU número 14055-3-469 está REPROVADA por inaptidão, mau comportamento e notas abaixo da média de toda a Federação da União, em seu décimo e último ano regular de estudos no Centro Preparatório. Por tanto, ela será encaminhada ao Departamento de Aprendizes em Manutenção onde será submetida a um novo sistema de ensino que será informado ao senhor na data prevista neste comunicado. A reprova é inadmissível nos termos do Governo, mas ainda há quem tenha dificuldades de se adaptar ao sistema, que apenas almeja que a Federação da União se torne cada vez mais forte e com cidadãos preparados. Obrigada e lamentamos.”
Juíza Hazel Fer de Lance
Corregedoria Juvenil
Lúcio de repente perde o tom amistoso e posso ler nas entrelinhas do seu rosto um traço de preocupação.
Dizem que reprovar na União é mais do que uma coisa grave, é um desastre, uma catástrofe, principalmente quando a reprova é no último ano no Centro Preparatório.
Saiba mais
O arcanjo Rafael foi exilado na terra e não poderá voltar ao reino celeste até ter cumprido sua missão: Salvar a alma de um homem condenado. Com o passar do tempo sua missão se torna impossível e ele se vê perdido, até encontrar Eva. Uma jovem distraída, muito apegada ao irmão, Andros, e que, se quer suspeita as origens da própria família. Que não entende por que os pais foram embora, e porque Lúcio, seu tutor, a trata com tanto rigor; e também, o que há de tão errado em reprovar seu último ano de estudos na Federação da União? Acontecimentos inesperados a fazem acreditar que está enlouquecendo, mas, ainda sim, fica fascinada com as visões e sonhos com um homem misterioso. Ela perceberá que reprovar na Federação da União será o menor dos problemas. Os esforços de sua família para manter segredos escondidos há muito tempo, começam a desmoronar quando Eva percebe que a estão escondendo dos agentes do Governo. Ao passo do caminho, seres da luz e da escuridão cruzarão o caminho dela. E os segredos, já não serão mais segredos. Se mantendo nas sombras, mas com os olhos atentos na garota e em sua misteriosa família, Rafael encontra nela a chave para voltar para casa, mas não será tão simples, pois nem mesmo Rafael ou qualquer outro ser além do Criador conhece o verdadeiro propósito de sua missão.
E quem já leu?
Ludmila Alves - Rio de Janeiro
Bianca Bolognese - Várzea Paulista
Alice Pardinho - Brasília
Resenha do canal Resenhando Sonhos
Conheça mais sobre a autora
Resenha do site
Anna Grego é uma autora brasileira, nascida em Jundiaí - SP. Ama filmes, séries e livros. Em 1998 depois de ir ao cinema pela primeira vez, aos 10 anos, sentou-se com a máquina de escrever digitando tudo que se lembrava. Com vocação para as artes, desenho, música, e produção audiovisual, escolheu contar histórias. E sempre diz "Eu já vivi, sonhei e imaginei diversos mundos criados por outros autores através de livros e filmes, e um dia descobri que também poderia fazer isso. Agora crio histórias para que outras pessoas possam viver, sonhar e imaginá-las comigo."
Sua primeira publicação foi em 2019 na antologia O Lado Sombrio do Sítio, que contou com a participação do autor BestSeller André Vianco e muitos outros autores.
Em 2017, entrou para a Hardcover, grupo de escritores que tem como mentor André Vianco, a consultora de narratologia Margareth Brusarosco e conta também com Jean Chamoutoun, especialista em roteiro cinematográfico. O primeiro pensamento sobre Exílio aconteceu em 2011 e sua publicação, em 2020. Anna Grego também conta com as Publicações "O Trem", " O Condomínio - Antologia Cidade dos Sussuros (2021), Deserto (2022) sequência de Exílio. Atualmente participa da sala de escritores da Wolfpack, trabalhando em conjunto com outros autores em um projeto de título ainda sigiloso.
Exílio traz um pedaço do meu coração.
Anna Grego
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